SQ#06: Sombra e Luz no Trabalho
A Newsletter dessa semana tem uma novidade: foi cocriada com meu amigo, e autoridade de Recursos Humanos no Brasil, Victor Rosa Marinho de Queiroz.
Nesta andança de escrever, acabamos nos “trombando” aqui no Linkedin e marcamos um papo sem roteiro. E deveríamos ter gravado, porque foi bem bacana e interessante a conversa.
Minha ideia era entender com um especialista um pouco sobre as queixas das pessoas no mundo corporativo, falar um pouco sobre futuro do trabalho e questionar um pouco o Status Quo, claro.
Pesquisa:
Antes de contar a história da nossa conversa, queria propor uma reflexão relacionada ao tema de hoje através de uma pesquisa que vi sobre o mercado de trabalho.
Encontrei um estudo recente da Workmonitor, empresa de recrutamento da Randstad, que ouviu 35 mil profissionais do mundo corporativo, e que trouxe alguns dados interessantes. Vamos lá:
61% das pessoas dizem que não aceitariam um trabalho que afetasse negativamente sua vida pessoal e profissional (ano passado esse número era 58%).
Você lembra a primeira vez que dirigiu um carro com ar condicionado? Difícil voltar para o carro sem ar, né? Nos adaptamos muito rápido com o que é melhor.
O Home Office, para mim, foi isso. As pessoas hoje valorizam muito mais o tempo, sua finitude, principalmente após a pandemia, e todos os benefícios da flexibilidade (morar em um lugar longe dos grandes centros super caros, por exemplo).
Neste momento as empresas estão repensando suas estratégias de local de trabalho, puxadas em sua maioria pelas Big Techs que estão voltando com força para seus escritórios. Perceberam que talvez haja alguns contras importantes como o impacto na cultura e prejuízo nas relações humanas que são tão importantes na construção de times coesos e mais fortes.
Vai ser um puxa-e-estica interessante: empresas vs força de trabalho, que em vários casos já está pulverizada por todo o Brasil (ou pelo mundo). Um movimento de alta complexidade e bastante delicado.
Outro dado interessante da pesquisa foi sobre os principais motivos que levam ao pedido de demissão:
34% deixariam um ambiente de trabalho tóxico
31% estão tão insatisfeitos que já desistiram, fazendo o mínimo necessário para manter o emprego só (é o "quiet quitting").
Números, no mínimo, interessantes sobre o bem-estar das pessoas nos seus ambientes de trabalho.
Neste contexto, voltando ao papo com o Victor, falamos sobre a consciência das pessoas em detectarem ambientes tóxicos e/ou irem atrás de seus objetivos de vida, nem sempre colocando o trabalho em primeiro e exclusivo plano.
Eis que Victor, na construção de seu raciocínio e opinião, provocou e sugeriu pensarmos em um gráfico bem interessante. Deixo para ele explicar a seguir:
[Victor]
Então, Marcel, vamos considerar um exercício apenas de raciocínio, sem nenhum caráter científico ou fundamentação com base em pesquisas ou publicações.
Imaginemos um gráfico assim:
no eixo vertical, iremos colocar o quanto as pessoas estão conscientes (ou inconscientes) de que sua realidade de trabalho está sendo prejudicial para sua saúde mental (ou afetando negativamente sua vida pessoal e profissional, como na pesquisa que citou acima).
No outro eixo, vamos considerar o quanto as pessoas são dependentes (ou independentes) em relação ao seu trabalho, seja por questões financeiras, status/poder, ego/identidade social, ou qualquer outro fator.
Teremos, então, um gráfico com 4 regiões, onde poderíamos enxergar um determinado conjunto de comportamentos:
Quadrante A (consciente e independente):
Quem: possui mais clareza do que impacta negativamente e que possui independência do seu trabalho atual; provavelmente são as maiores adeptas ao trabalho remoto e assíncrono em caráter inegociável.
Caminho provável: tenderiam a sair dos seus empregos em busca de escolhas profissionais mais saudáveis e alinhadas ao seu propósito e interesses.
Quadrante B (inconsciente e independente):
Quem: pessoas que vivem os impactos negativos do seu trabalho, algumas talvez vistas como resilientes, que aguentam a pressão, mas sem perceberem que estão prestes a entrar num burnout.
Caminho provável: essas pessoas poderiam escolher mudar de realidade, por possuírem recursos financeiros e/ou desapego de status/ego, mas não o fazem por não terem motivos explícitos (conscientes) para tal (tem o poder de mudar, mas não veem necessidade de mudar).
Quadrante C (inconsciente e dependente):
Quem: nesse quadrante estão as pessoas cujo trabalho provavelmente é um “mal necessário”, e que praticamente operam num modo “piloto automático”, já que nem sabem que estão sofrendo e nem tem como abrir mão do emprego.
Caminho provável: creio que aqui tendem a estar as pessoas que aceitam o local e horário de trabalho que a empresa determinar, afinal o que importa mesmo é estar trabalhando / empregado.
Quadrante D (consciente e dependente):
Quem: pessoas nessa região penso que tendem a ter o maior nível de sofrimento, pois sabem que estão sendo prejudicadas mas se veem presas na escolha atual pois mudar causaria prejuízos maiores para si mesmas ou para pessoas que dela dependem (algo como um “ruim com, pior sem”).
Caminho provável: muitas pessoas venceriam essa inércia e agiriam apenas caso alguma ruptura ocorresse (um burnout, uma demissão, ou outro evento crítico que mexa com seu nível de consciência ou de dependência); em outros casos, creio que a consciência do desconforto levaria algumas pessoas a agir preventiva e proativamente para evitar uma ruptura, fazendo todos os esforços para que, ao longo do tempo, ganhem independência e possam tomar decisões mais seguras. Ou, caso sejam menos conservadoras, tenderiam a procurar outro lugar para trabalhar.
Obviamente que colocar essa complexidade toda de vivências e relações humanas com o trabalho num simples gráfico de dois eixos sem nenhum estudo ou embasamento científico serve meramente como ilustração do raciocínio, como falei antes, e não visa rotular ninguém nem empresa alguma, mas de alguma forma categoriza as pessoas em alguns grupos.
O desafio seria como determinar níveis de consciência e dependência, já que são características subjetivas e bem complexas de metrificar.
[Marcel]
Depois que o Victor me disse isso, eu fiquei pensativo por mais de um dia, até que o convidei para escrevermos juntos sobre o tema aqui.
Tirando os bons ambientes de trabalho e pessoas que estão conscientes e realizadas com o que fazem (isso existe), no mundo dos insatisfeitos eu vejo que:
A) nem todo mundo (sabe que) quer mudar algo em sua vida profissional (inconscientes)
B) alguns querem (conscientes) mas:
ou estão presos em algo tipo status, ego, poder e não fazem nenhum movimento - mesmo tendo “independência” (entre aspas porque o ego e status são armadilhas);
ou estão dependentes financeiramente e precisam (i) de um burnout ou algum evento crítico acontecer para se sairem do lugar, (ii) encontrar um outro trabalho menos tóxico ou (ii) tornarem-se independentes financeiramente para tomar decisões mais livremente.
C) outros querem (conscientes) e podem (independentes). Esses aqui já são livres e estão fazendo algo para conectar os três pontos citados pelo Bill Burnett na Newsletter passada (Designing your Life): (i) quem são, (ii) o que fazem e (iii) no que acreditam. Questão de tempo e experimentação só.
Voltando para mais uma pesquisa…
Comentei semana passada também sobre a pesquisa americana da Axios, feita pelo Linkedin e Headspace, sobre o “Sunday Scaries”, aquele sentimento ruim aos domingos pelo início da semana que se aproxima (e você odeia talvez). Os resultados são assustadores (mais do que o término do final de semana!): 75% (setenta-e-cinco-por-cento!) das pessoas dizem passar por isso aos domingos. Não pode ser normal.
Quando você (eu, no caso) olha de longe um negócio desse (entenda-se: você se afasta do mundo corporativo), você fica perplexo em observar o que acontecia com você, com seu corpo, com sua mente, o que acontecia quando você estava completamente desalinhado com o que você quer ser, o que você faz, e os valores em que acredita (para quem se aplica estas coisas, ou para quem tem consciência de que isso se aplica).
Normalização do Absurdo
Nesta última segunda-feira eu fui fazer um trabalho de videografia da Limbic em um galpão logístico em Duque de Caxias no Rio de Janeiro. Experiência bem tensa. Fui produzir um vídeo DENTRO de uma comunidade, do Beira Mar.
Imagina subir um drone lá? Um “porta voz” da comunidade mandou um recado: "se for subir um drone com câmera, é somente de dia e no perímetro do galpão. Caso contrário, não nos responsabilizaremos pelas consequências". Não subi, óbvio.
Para me locomover lá, pedi um Uber. O motorista disse que ficou com medo de me buscar e, na sequência, se desculpou pelo calor (sem ar condicionado) porque tivemos que passar de vidros abertos e pisca alerta para que a comunidade não fizesse nenhuma ameaça ou algo conosco. "Meu irmão, aqui é a lei deles…".
Outra coisa que o motorista me disse: “estamos proibidos (Uber) de trabalhar pra além da Ilha do Governador”. Como assim? “Eles lançaram um aplicativo de transporte próprio deles naquela região, então não podemos mais trabalhar lá. Ponto".
E o que é loucura de pensar é a naturalidade com que ele me contava todos estes cenários, dentre vários outros que nem vou me estender aqui.
O ponto é: o cidadão carioca já “NORMALIZOU” um tipo de coisa assim. “Coloca o celular na cueca e fica esperto que não dá nada, brother” (instrução recebida antes de eu sair do local de trabalho lá).
Juntando tudo isso, fiquei refletindo: será que, por estarmos imersos no dia-a-dia do trabalho, normalizamos coisas absurdas simplesmente por falta de consciência (talvez de distância)? Em qual quadrante do gráfico você imagina que esteja? É uma excelente reflexão para você se fazer.
Vá fundo e, como sempre digo, ouça sua voz interior e procure suas sombras. Tem coisa ai para te deixar mais consciente e, quiçá, independente.
Por hoje é só. Muito obrigado por ler até aqui!
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Marcel - Status Quê?
Coparticipação especial de Victor Rosa Marinho de Queiroz (a quem vai meu grande agradecimento! Valeu, Victor!)