SQ#08: Gaiola da Liberdade
"Quanto mais escolhas você tem, mais provável é que se sinta insatisfeito com a opção escolhida."
Essa frase é de um famoso psicólogo americano chamado Barry Schwartz, que popularizou o conceito do Paradoxo da Escolha com seu livro The Paradox of Choice - Why More Is Less.
Refleti bastante sobre isso e fui buscar mais informações para compartilhar aqui - e aprendermos juntos, claro!
A primeira falácia que aprendi, depois de toda leitura e estudo:
Mais escolhas >> Maior Liberdade >> Vida mais feliz.
Não. Me explico a seguir.
O Caso das Geléias
Deixe-me contar sobre um estudo fascinante que ilustra perfeitamente o Paradoxo da Escolha: o 'Experimento das Geleias’. Nesse experimento, os psicólogos Sheena Iyengar e Mark Lepper montaram uma banca em um mercado gourmet, onde ofereciam amostras de geleias. Em alguns dias, os clientes podiam escolher entre 24 sabores diferentes de geleias. Em outros dias, apenas 6 sabores estavam disponíveis.
Curiosamente, enquanto a mesa com mais opções atraía mais clientes, foram as pessoas que se depararam com menos opções que tinham maior probabilidade de fazer uma compra. De fato, as pessoas eram dez vezes mais propensas a comprar geleia quando apresentadas com 6 opções, quando comparadas com as que tiveram 24.
Ter opções demais pode nos deixar sobrecarregados, ansiosos, paralisados, tornar a decisão mais difícil e, em última análise, levar à insatisfação."
O Trabalho e o Paradoxo da Escolha
Em nossas carreiras, isso pode significar escolher entre seguir um caminho que está alinhado com nossos valores e desejos, e um que sentimos a obrigação de seguir devido a pressões sociais ou profissionais.
No ambiente corporativo, as possibilidades são extensas. Podemos optar por transições de carreira, mudando de área de atuação dentro da mesma empresa, ou explorar oportunidades em outras empresas. Também podemos buscar envolvimento em projetos diferentes, com equipes diferentes.
Sem contar as inúmeras opções fora do mundo corporativo, que vão desde um empreendimento novo, um negócio, um serviço, uma consultoria, concursos públicos, etc.
Quando tudo era Pior, era bem Melhor
Refletindo sobre as gerações anteriores, como a dos nossos pais ou avós, percebemos que a vida era caracterizada por menos opções e um acesso mais limitado a informações. A ideia de questionar o trabalho e a realização era praticamente inexistente.
Meu saudoso avó Zezinho trabalhou dos seus 12 anos de idade até os seus 86 anos na mesma empresa. Sim, trabalhou por 74 anos até os seus últimos dias de vida. Uma vida profissional admirável neste sentido!
Ele trabalhou em uma fábrica de tecidos em Pirassununga-SP e começou com um trabalho manual (naquela época havia poucas mecanizações) que consistia em enrolar algodão para formar linhas e fios, que virariam tecidos nos teares depois. Virou supervisor da fábrica em algum momento, posto em que ficou até seu final de jornada.
Logo que entrou neste trabalho, já procurou construir sua casa perto da fábrica, já que sabia que seria toda uma vida trabalhando ali.
Naquela época, o trabalho era uma parte incontestável da vida e não havia espaço sequer para questionamentos sobre as condições de trabalho, abusos, assédios. Funcionários eram tratados de uma forma que seria incabível hoje.
Provavelmente, meu avô não via tantas opções como existem hoje no mundo de trabalho. Era aquilo lá. A cabeça dele era recheada por outras decisões e preocupações, mas possivelmente não muito com escolhas sobre o seu trabalho. Provavelmente, não sofria com isso.
De maneira metafórica, é possível dizer que,
em tempos passados, quando tudo parecia pior, talvez fosse melhor. Havia uma vantagem em não ter tantas opções.
Ter algumas opções é melhor que ter nenhuma opção. No entanto, infinitas opções não são melhores do que somente algumas delas.
Menos é Mais
Três problemas do Paradoxo da Escolha.
1) Paralisia e Arrependimento
Voltando ao caso das geléias, é de se imaginar que seria confuso e talvez aflitivo decidir qual das 24 geléias seria a melhor. Se, mesmo assim, conseguíssemos escolher uma das opções, nossas chances de arrependimento seriam muito maiores. Por quê? Imagina que você vá comer a sua geléia de picles-com-algodão-doce e talvez sinta que as notas de algodão doce não são exatamente o que você esperava. Automaticamente, você vai lembrar das outras 23 opções que deixou na mesa e vai se arrepender. Isso é ruim. Frustra. Estressa.
2) Aumento de Expectativa
Se eu tivesse só a geleia de Goiaba caseira que minha tia avó fazia, não teria muita coisa diferente para esperar. Era aquilo e pronto. Seria uma delícia, sem dúvida. E era.
No entanto, ao considerar a existência de 24 sabores possíveis - incluindo o exótico Ovo-de-Codorna-com-Pistache - as minhas expectativas certamente se elevariam. Imagine a explosão de sabores inéditos aguçando meu paladar? A insatisfação seria praticamente certa. Já sabemos o "segredo da felicidade" para não nos frustrarmos: ter poucas expectativas.
3) Sentimento de Culpa
Deixe as geléias na prateleira agora. Pensa no meu avô trabalhando na fábrica têxtil nos anos 30 e 40. Trabalhar era aquilo. Se era bom ou ruim, era “culpa do mundo”, "culpa da sociedade". Não era responsabilidade dele essa escolha. Agora, no mundo de hoje, com tamanha quantidade de opções, fazer uma escolha que dê errado depois é o próprio suco de culpa por não ter escolhido alguma das dezenas ou centenas de outras possibilidades. A culpa agora é nossa, não "do mundo". De novo, frustração à vista.
Será que esta avalanche de escolhas é o que conduz cada vez mais pessoas à depressão em escala global?
O Medo do Novo
Como seres humanos com instinto de sobrevivência, quando nos deparamos com qualquer escolha, sempre vamos tender a escolher a que tem o menor risco.
Se soubéssemos o resultado de cada escolha no futuro, seria tudo bem simples: só escolher aquela que te atende melhor, que cumpre seus objetivos. Pronto.
Como não temos esse poder, em geral fazemos o seguinte: na dúvida de algo dar errado, ou nos frustrarmos e sermos infelizes, é "melhor" já continuar infeliz onde estamos mesmo. É mais garantido, mais seguro. Dá menos trabalho também.
Mas em tempos de lay off, estar seguro não é exatamente o que você pensa(va). Não temos segurança. Temos escolhas. E muitas delas só têm ganhos possíveis (upsides). Errar é aprender sempre também.
Soluções Práticas: Limitando Escolhas
Gerenciar o paradoxo da escolha envolve reduzir o número de opções que consideramos. Isso não significa limitar nossas possibilidades, mas sim focar no que realmente importa para nós. Trata-se de filtrar o ruído e concentrar-se nas opções que estejam alinhadas com nossos valores e aspirações.
Talvez mudar de área não sirva para você. Talvez empreender não seja para você. Cada um tem seu caminho.
Mas abraçar a mudança é crucial. Se o seu atual caminho de carreira está causando estresse e insatisfação, ouse explorar alternativas.
Não se trata da quantidade de escolhas lá fora, mas das escolhas que ressoam com você.
Faça sua pesquisa, busque conselhos, ouça sua intuição, busque mentores.
E aprenda a dizer 'não'. É libertador. Ajuda a estabelecer limites e abre espaço para escolhas que priorizam o seu bem-estar e felicidade. Lembre-se, cada 'não' é um 'sim' para algo mais - e isso pode te ajudar a chegar em opções mais reduzidas para uma decisão rumo a uma vida com mais propósito e sentido.
A Gaiola da Liberdade
Uma gaiola pode parecer um espaço limitado para um passarinho - sem dúvida que é. No entanto, na ausência desta 'gaiola metafórica', estamos potencialmente abertos à frustração e depressão decorrente de inúmeras escolhas que temos todos os dias. Para refletir.
TL;DR
Paradoxo da Escolha: ter muitas opções pode levar à insatisfação com a escolha feita.
Menos opções podem resultar em maior probabilidade de satisfação.
O excesso de escolhas causa paralisia, aumenta as expectativas e gera sentimentos de culpa.
Gerenciar o paradoxo da escolha envolve focar no que realmente importa, aprender a dizer 'não' e buscar opções alinhadas com seus valores e aspirações.
A liberdade excessiva pode levar à frustração, enquanto ter limites pode proporcionar uma vida com mais propósito e sentido.
Por hoje é só! Muito obrigado por ler. ;-)
Marcel - Status Quê?
PS: Este é um exemplo clássico do que é comumente referido como um "Problema do Primeiro Mundo", onde aqueles que têm privilégios têm também uma abundância de opções. É importante ressaltar, no entanto, que essa não é a realidade do Brasil ou do mundo em geral. Essa situação se alinha ao conceito econômico conhecido como "Melhoria de Pareto" (ou Pareto Improvement Move). Dentro deste contexto, se as opções (ou a renda) fossem redistribuídas para aqueles menos privilegiados, isso não só melhoraria a vida destes indivíduos, como também poderia ajudar a aliviar o paradoxo da escolha para aqueles que estão sobrecarregados com opções demais. Uma redistribuição mais equilibrada de escolhas, potencialmente traria benefícios para todos os envolvidos.