SQ#09: Pare de Reverenciar seu CEO
É interessante observar como, ao nos distanciarmos de certas coisas, conseguimos abrir novas perspectivas para aquilo que antes era invisível.
Essencial Invisível aos Olhos
Semanas atrás eu fui fazer um dos meus trabalhos de Videografia em um ativo imobiliário do Credit Suisse em São José dos Campos. Ainda não me acostumei quando me apresento como “fotógrafo e videomaker” da minha própria empresa (Limbic) - mudei razoavelmente o que estava acostumado a fazer. E é o que sou - e gosto muito de ser (ou estar assim), inclusive.
Pois bem. Logo que cheguei, fui acompanhado pelo gestor do imóvel para entender todas as características e definir como fazer toda a captação das imagens para as quais fui contratado.
Em um certo momento, o gestor me diz: “Marcel, chegaram uns investidores, preciso atendê-los, fique à vontade ai fazendo seu trabalho". Ótimo.
Eis que eu estava lá, produzindo os vídeos em um dos galpões, e aparecem o gestor e mais três investidores acompanhados do secretário de desenvolvimento da cidade. Passaram por mim. Eu os cumprimentei com a cabeça e um “bom dia". Fui ignorado.
Entraram na frente da câmera como se eu não estivesse ali. Esperei que saíssem para eu continuar, com educação. O que ficou claro para mim ali foi o ponto de vista de um fotógrafo: eu estava invisível. As lentes deles deveriam ser diferentes das que eu tinha em minha câmera. Fiquei pensando quantas profissões são ignoradas por algumas pessoas mal educadas. O tratamento deles comigo seria diferente se eu tivesse em outra "posição"?
Isso me fez lembrar de duas histórias bem marcantes na minha carreira. Conto a seguir.
Abrir Ticket é para os Fracos
A primeira história foi quando entrei em uma empresa e, logo no primeiro dia, perdido como todo mundo, sem nem saber onde acendia a luz, precisei configurar meu computador. Um dos meus novos colegas me disse: “fala com o Jefferson (nome fictício para não expor a pessoa) da TI, aquele rapaz ali” e apontou o dedo na direção e descreveu algumas características físicas da pessoa que não caberiam colocar aqui, mas que me ajudaram a identificar o cidadão.
“Oi Jefferson, sou Marcel, tudo bem? Comecei hoje aqui, preciso configurar meu computador…". Fui interrompido no meio da frase com o famoso “abre um ticket". Talvez eu precisasse abrir um ticket, inclusive, para ele me falar bom dia também. Mas, de fato, eu não sabia ainda todos os procedimentos do lugar.
Alguns minutos se passaram e Jefferson correu na minha direção com uma feição um pouco estranha e disse: “Ah, você é o novo diretor? Nossa, me desculpe… deixa eu configurar sua máquina agora”. Eu fiquei sem saber o que dizer, deixei ele sentar na minha cadeira para configurar tudo, uma simpatia em pessoa. No entanto, depois de alguns minutos de diálogos mentais, não resisti: “Jefferson, só porque eu sou diretor que você mudou seu tratamento comigo e vai configurar minha máquina? Não cheguei a abrir ticket nenhum…". A conversa evoluiu, e foi até um ponto onde percebi que Jefferson só estava seguindo instruções, além de sua falta de educação. Desisti, mas falei com outras lideranças sobre o caso. Não deu em nada, claro. Outras prioridades.
Quem bate cartão não vota em Patrão
O segundo caso foi quando eu empreendi. Abri uma loja de artigos esportivos em 2012 no interior de São Paulo. Foi a primeira vez que empreendi. Não sabia direito como adaptar aprendizados do mundo corporativo num negócio próprio, numa empreitada real, com um time em que eu era, de fato, o responsável mesmo. Bati bastante cabeça com isso, e aprendi demais, mas esse assunto eu conto outro dia.
Todo dia, quando eu abria a loja pela manhã, eu tinha um protocolo que defini para que tudo funcionasse bem. Era igual todos os dias: varrer o chão, passar pano, espirrar uma essência com cheiro bacana na loja, ligar o ar condicionado, as TVs, a música, fazer o café, abrir o caixa e pronto… que venham os clientes.
Eu dividia as tarefas igualmente para todos que trabalhavam lá, inclusive eu. “Sandra, você passa o pano no chão da metade da loja para a frente, e eu vou passar o pano da metade para trás".
Praticamente todos os dias rolava uma indiganação por parte dos funcionários. Causava-lhes estranheza o meu jeito. “Po, você é o patrão… como que você vai passar o pano no chão da loja?". Eu ficava espantado com essa visão deles - além da palavra "patrão" que pra mim soa esquisito. Eu estava lá para, assim como eles, trabalhar - em tudo. A única diferença é que eu havia assumido mais riscos (e talvez com chances de maiores retornos) que eles porque fiz o investimento no negócio. Éramos, e somos, iguais.
Aprendizados
O que tem de comum nestes três exemplos? Todos eles evidenciam comportamentos de uma sociedade hierarquizada, com status predefinidos, do que se é esperado de cada um. E o pior, para mim, é que isso não é uma questão de arrogância somente de quem se considera superior, mas uma visão já arraigada e aceita também por quem se considera inferior nesta hierarquia.
Alguns que se acham em posições ou status "superiores" na sociedade:
Julgam os outros baseando-se em estereótipos e preconceitos
Não se colocam no lugar do outro (a famosa empatia)
Não enxergam todas as pessoas de forma igual
Esquecem a educação (seletiva) em casa
São arrogantes, prepotentes
Já outros, que se consideram, hierárquica ou socialmente, "menos importantes":
Internalizam os estereótipos e preconceitos que a sociedade impõe
Aceitam a exploração e injustiça como normais ou inevitáveis
Acreditam nos seus lugares "inferiores" na sociedade
Raramente defendem seus direitos ou interesses
Têm vergonha de si mesmo com frequência
E porque isso me fez refletir? Esta questão da sociedade hierarquizada, com definições ilusórias de posicionamento social, é uma das raízes de um grande problema, que divido em duas partes:
As aberrações de educação e empatia das pessoas, em uma sociedade que tem estas definições que reforçam comportamentos lamentáveis como os que descrevi anteriormente.
Os efeitos que estas definições causam nas pessoas, tanto as "de cima" quanto nas "de baixo".
"De cima": Criam cenários em busca de status e depois ficam presas nestes status. Presos nestas escolhas e nesta suposta valorização da sociedade para uma determinada posição alcançada. E dai param de se questionar. Ficam no automático para sustentar o patamar social alcançado.
Mesmo que isso custe a saúde, entendem que vale a pena (pena mesmo!) manter esta imagem “superior”. Afinal de contas, quantas pessoas gostariam de estar no lugar delas, não é mesmo? Esta prisão é a receita perfeita para Burnout, infelicidade, frustração, exaustão por ser um personagem distante da essência verdadeira, dores no corpo, e por ai vai.
"De baixo": acabam sendo excluídas por vieses inconscientes das pessoas "superiores" e enfrentam uma barreira super dura de romper para serem vistas, reconhecidas, valorizadas. A famigerada pauta de diversidade nas empresas é exatamente esta luta contra isso. Será um longo caminho pela frente.
Algumas reflexões para fazermos:
Como a hierarquia social e profissional influencia a sua autoimagem? Essa influência afeta sua satisfação e realização pessoal?
Você se encontra preso(a) em algum tipo de status, fruto das definições sociais que talvez você nunca tenha questionado?
Você pratica a igualdade em suas interações? Consegue se colocar no lugar dos outros? Ou existem pessoas "invisíveis" em sua vida diária?
Reflita sobre estas questões: a reverência cega à autoridade pode causar distorções em nossos relacionamentos. Trate o responsável pela limpeza com a mesma cortesia e admiração que você tem pelo CEO - ambos são iguais a você. Tenha cuidado para não se prender na escada hierárquica: é sempre melhor descer antes de cair.
Espero que essas reflexões possam ser úteis para você! Obrigado por acompanhar até aqui.
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Por hoje é só. Um abraço!