SQ#12: Tristeza não tem fim; felicidade, sim.
Contrariando Tom Jobim e Vinícius de Moraes, até a tristeza tem fim. Vejamos.
Caso você não seja o Benjamin Button, você deve se lembrar de momentos na sua infância em que esperar pelo Natal era uma ansiedade enorme para ver se o bom velhinho traria o presente tão desejado, afinal, você havia se comportado naquele ano (seus pais talvez não concordassem tanto, mas não importa).
Então chegou o natal, você abriu o presente naquela fúria de rasgar o papel do jeito mais rápido possível, vibrou, sua dopamina foi lá no alto, você brincou, brincou um pouco mais, logo se distraiu pelo brinquedo do seu primo, ou aquele outro brinquedo que você também ganhou da sua tia (Papai Noel não costumava entregar tantas coisas legais para ela te trazer, eu sei), e foi dormir.
Acordou, olhou para o desejo que já fora realizado, brincou mais um pouco… e foi fazer outras coisas. Acabou o encanto. Tanto tempo de espera, e a felicidade do desejo realizado, materializado, evaporou…
Isso acontece desde a infância. Parece que essa dinâmica existe há bastante tempo. E a gente vai crescendo e não sei se aprendemos a lidar com isso. Colocamos aquela expectativa em tudo (que ainda não temos), ou quase tudo, e dai temos que lidar com duas coisas depois - que vão se intensificando na vida adulta: felicidade passageira (deu certo!) ou, em alguns casos, a frustração (não rolou).
Estes dias vi um post da Luciana Seabra que falava sobre Adaptação Hedônica. Fiquei curioso, e fui atrás de entender um pouco mais sobre isso.
Adaptação Hedônica (ou Hedonic Treadmill do inglês), é um termo criado pelos psicólogos Brickman e Campbell nos anos 70, e afirma que a maioria das pessoas sempre retorna ao seu nível “basal” de felicidade, independentemente dos eventos—positivos ou negativos—que acontecem em sua vida.
Passamos quase que toda a vida em busca do topo da curva, sempre achando que vai ser um topo pra sempre, um novo patamar estável. “Felizes para sempre", como diriam os contadores de histórias infantis. Até querermos o próximo desejo.
Se não me engano, foi do Alexandre Karnal que ouvi uma vez que “seríamos bobos se fôssemos felizes o tempo o todo”. Não faria sentido (por mais que seja contra-intuitivo pensar isso).
Tudo precisa de contraste. Em 2021, eu pedi demissão de um emprego “muito bom” e fui morar num vilarejo paradisíaco na Bahia por 5 meses. A ideia de “férias pra sempre” (ou até onde o dinheiro e o juízo desse) caiu por terra bem rápido.
Férias só são férias (e boas!) porque temos o trabalho como contraste. Tudo é assim. Felicidade, idem. Tem que haver contraste.
“Mas e por que então você tá falando isso tudo, Marcel?”.
É mais uma mensagem (pra mim também!), sobre parar de ficar buscando o topo da curva e deixando a vida passar ou ser trocada por essa busca incessante.
“Ah, então não importa ser feliz?”
Poxa, importa demais! O que precisamos parar para refletir é o que consideramos (ou devemos reconsiderar) como felicidade, e o quanto esse sentimento, quando atingido, é efêmero, fugaz.
Pense quantas coisas da sua vida estão sendo feitas na esperança do “topo pra sempre”. E quantas destas coisas são posses materiais. Viva mais experiências!
Às vezes, temos a impressão de que um bem material durável (aquele carro dos sonhos) vai proporcionar uma felicidade também mais durável. Infelizmente (ou felizmente), não! Você vai se acostumar com o carro rapidamente (felicidade basal) e ele vai ficar ali na sua garagem te desapontando.
Encontrei uma publicação de Harvard de 2008 de Daniel Mochon, Michael I. Norton and Dan Ariely que recomendo demais a leitura: Getting off the hedonic treadmill, one step at a time: The impact of regular religious practice and exercise on well-being.
Os pontos que mais me intrigaram no estudo deles:
Grandes eventos de impacto nas nossas vidas tendem a durar muito pouco, nos trazendo de volta aos estágios anteriores (ou “básicos”) de bem estar. Eles estudaram de ganhadores da loteria (eventos positivos) a pessoas que ficaram paraplégicas em acidentes (negativos).
Há toda uma discussão se, então, não há uma maneira como aumentarmos nosso bem estar, já que voltaremos sempre a um patamar básico após um período - e isso inclui políticas públicas de bem estar social (que daria uma outra boa, e longa, discussão - são eficazes?).
Embora existam dois fatores que podem alterar significativamente esta medida subjetiva de bem estar, que são a predisposição genética e personalidades estáveis, estes casos são exceções.
O que mudou, de forma consistente, foram dois grupos de comportamentos estudados: um que fez atividades físicas com frequência ou yoga e outro que frequenta e pratica religião. Em ambos os grupos, houve um aumento significativo de bem estar e de forma mais duradoura, cumulativa. São “pequenos eventos”.
Um trecho do estudo:
Traduzido:
Sugerimos que, embora seja improvável que eventos importantes isolados tenham uma impacto duradouro, pequenos comportamentos menores fornecem pequenos impulsos ao bem-estar que podem levar a mudanças reais no bem-estar geral, especialmente se forem repetidas com frequência suficiente ao longo do tempo: não se pode ganhar na loteria todos os dias, mas pode-se praticar ou frequentar atividades religiosas serviços regularmente, e esses comportamentos repetidos podem ser suficientes para aumentar o bem-estar ao longo tempo.
Para você refletir (comigo):
Que grandes eventos têm sido o foco da sua vida? A aposentadoria, a promoção, o aumento de salário, o acúmulo de uma quantia de dinheiro específica, a compra de algum bem material?
Quanto dos pequenos eventos têm passado despercebido entre os dedos por conta dessa obsessão? Quantas decisões diferentes você poderia ter tomado será?
“Quando me aposentar, dai sim vou curtir a vida e fazer…”
“Assim que for promovido, realizarei meu sonho de…”
“Quando eu ganhar X ou tiver juntado Y de dinheiro… “
“Vou vender todo meu tempo agora, mesmo que seja em um ambiente hostil, com pessoas horrorosas, fazendo o que não gosto, mas me tornarei tal pessoa, com tal cargo lá na frente… e atingirei o topo da curva - e ai, pronto!”
A hora que tudo isso acontecer, vai ser o novo brinquedo da noite de Natal tão esperado. Empolgação momentânea, e vai passar. Certeza. É ciência. É empírico. Ser humano funciona assim.
Espero que, ao acordarmos na manhã seguinte do Natal, possamos dar mais valor e curtir o “pequeno evento” do almoço com a família toda reunida. Como tudo, não vai ser pra sempre.
Por hoje é só!
Marcel - Status Quê?
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