SQ#23: Quem é você sem uniforme?
Método de Stutz, Experimento da Prisão, Poder e Rejeição, Autenticidade & mais.
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Bem-vindos à edição de número #23 da "Status Quê?”. Aqui, trago provocações e inspirações para te tirar do automático e te fazer (re)pensar as escolhas de vida. Toda semana. Sem Spam. Grátis.
Imagem criada utilizando IA com este prompt: Photo, 16:9 aspect ratio, of a 30-year-old African woman standing in an open field at sunset, removing a constricting costume that misrepresents her. The discarded costume lies nearby, and she observes it with a mix of apprehension and strength. The setting sun on the horizon marks her journey towards self-discovery and authenticity.
Se pararmos para pensar, os ingredientes para uma vida feliz são sempre mais simples do que parecem e estão em nossa frente. Ignoramos. Desde a medicina preventiva ayurvédica de milhares de anos atrás, junto com tradições e rituais orientais como Yoga e meditação, sabemos o quão importante é cuidar do corpo e mente. Mas há um outro ingrediente, este externo, que nos leva pra mais perto de uma vida feliz e com mais propósito: relacionamentos.
No mais longo e mais famoso estudo sobre felicidade, feito por Harvard, em que acompanharam (e continuam acompanhando) centenas de pessoas desde a década de 40, perceberam que existe um ponto em comum entre as pessoas que se consideram felizes: os relacionamentos.
O Método de Stutz
Falando em métodos e estudos sobre felicidade, recentemente assisti a um documentário na Netflix chamado O Método Stutz, que mostra uma jornada introspectiva bem interessante conduzida por Jonah Hill, que assume o papel de entrevistador ao dialogar com seu próprio terapeuta, Dr. Phil Stutz.
A narrativa é centrada no método terapêutico desenvolvido por Stutz, explorando uma série de ferramentas práticas destinadas a promover o crescimento pessoal e o bem-estar. Ao longo do documentário, cada aspecto deste método é desvendado por meio de uma discussão aprofundada entre Hill e Stutz, sendo ilustrado com animações e exemplos práticos que visam trazer clareza e aplicabilidade para o público que assiste.
Fonte: Documentário O Método de Stutz - Netflix
Cuidar da saúde, ter relacionamentos afetivos e estar bem consigo mesmo parecem ser um bom caminho para a felicidade - e é baseada nisso a discussão com Stutz. O simples que não é nada fácil.
Relacionamentos, no entanto, são a parte desta pirâmide que considero a mais difícil, porque trata de construção no longo prazo, é sobre regar e cultivar cada laço, investir tempo, dedicar-se. Isso não é simples, definitivamente.
Rejeição - ferida mais profunda e difícil de lidar
No caminho da construção de relacionamentos, enfrentamos inúmeros desafios ao longo da vida.
Procuramos a todo custo evitar uma das maiores dores: a rejeição. E, pelo medo desta rejeição, juntamente com a grande “mão invisível” das expectativas da sociedade sobre nós, vamos em direção à perda de nossa individualidade para alimentar tudo que é externo, ou até parte do que está em seu subconsciente (que nem foi você que colocou lá).
Em outras palavras, o que quero dizer aqui é sobre aqueles momentos em que, para fazermos parte de um grupo, seja por medo antecipado de uma eventual rejeição, seja por expectativas da sociedade sobre quem integra tal grupo, perdemos nossa individualidade, perdemos algumas de nossas essências, vivemos em colapso com alguns de nossos valores, etc.
Experimento da Prisão de Stanford
Fonte: The Stanford Prison Experiment - Filme (IFC Films)
Na semana passada, nem sei como, cheguei num estudo de Stanford que me deixou perplexo. E, mais do que nunca, entendi o conceito da frase “você é a média das 5 pessoas com as quais mais convive”.
Em 1971, um psicólogo renomado chamado Dr. Philip Zimbardo, resolveu criar um experimento inusitado - que ficou conhecido como o Experimento da Prisão de Stanford.
Achei essa história um soco na cara de como nós nos comportamos em determinadas situações. E isso tem relação direta com nosso contexto, nossos relacionamentos.
O que foi o experimento
O objetivo do Experimento da Prisão de Stanford em 1971 era investigar os efeitos psicológicos da autoridade percebida e do poder nas relações entre prisioneiros e guardas em um ambiente carcerário simulado. O estudo pretendia explorar como as normas sociais e as expectativas de papéis poderiam influenciar o comportamento humano, especialmente em contextos de poder desequilibrado.
Através deste experimento, Zimbardo queria entender como as forças sistêmicas e situacionais podem operar para influenciar o comportamento individual em direções negativas ou positivas, muitas vezes sem nossa consciência.
Como foi feito
Zimbardo criou anúncios nos jornais para recrutar estudantes, homens, jovens, para serem voluntários remunerados (cerca de 100 dólares ao dia corrigido para os dias de hoje) neste experimento.
De uma maneira precária, junto com seu time de pesquisadores, avaliou dezenas de candidatos e chegou a uma seleção de 24 jovens que foram distribuídos, aleatoriamente, em dois grupos, com um grupo atuando como guardas e o outro, como prisioneiros.
Fecharam algumas salas de aula no período de férias de Stanford e transformaram o local em uma penitenciária. E então começaram o experimento de forma bem real, com a polícia verdadeira prendendo os voluntários designados como prisioneiros em suas próprias casas, levando-os de olhos vendados num carro, algemados, até a “prisão” de Stanford.
6 dias de extrema tensão
O experimento tinha como objetivo durar duas semanas, mas teve que ser interrompido depois de 6 dias. A ideia perdeu completamente o controle, e isso foi, de fato, o que acabou sendo o mais interessante (e polêmico até hoje).
Os voluntários designados para o papel de guardas experimentaram uma sensação intensa de poder. Com a autonomia recebida, eles perderam o controle e começaram a abusar de suas autoridades.
Alguns destes guardas demonstraram, inclusive, "tendências sádicas genuínas", maltratando e agredindo os detentos tanto física quanto psicologicamente.
Do lado dos prisioneiros, o sentimento de injustiça e de descrença com relação ao experimento rapidamente foram ao ápice. Alguns chegaram a acreditar que aquilo nem era experimento, e que estavam de fato presos (eles até usavam correntes nos pés). Começaram a fazer alianças, planos de rebelião, e rolou um pânico e risco geral de desordem e integridade física.
Enquanto isso, os pesquisadores, Zimbardo e mais algumas pessoas que o acompanhavam, também se perderam em seu próprio experimento, chegando a acreditar que os participantes poderiam estar fingindo sofrimento para tentarem sair de lá e interromperem o teste.
A cada dia que passava, o ambiente só piorava. Três prisioneiros chegaram ao limite psicológico (não dormiam, não comiam direito, eram assediados moralmente o tempo todo) e tiveram que ser liberados antecipadamente para evitar qualquer tragédia ou até mesmo intervenção de autoridades externas no experimento.
No Google é possível encontrar bastante material sobre isso. Inclusive, achei 3 filmes sobre esta história. Assisti e recomento um deles (link na sessão do final desta newsletter).
Insights e devaneios
(E como isso se relaciona com nossas escolhas de vida e carreira)
Ambiente profissional. O contexto da nossa vida define não apenas O QUE mas COMO pensamos. E um trabalho, portanto, que domina grande parte das nossas vidas, vai nos transformar, seja em algo bom ou ruim - e talvez não saibamos diferenciar uma coisa da outra.
O poder transformador de um uniforme. Há inúmeros exemplos além do que aconteceu em Stanford. Pense em uniformes imaginários nas corporações. O uniforme de gerente, de diretor, etc. Alguns não vão saber lidar com o poder. Outros vão agir conforme o “que se é esperado” da função (com todos os viéses que vêm junto).
Fato curioso que já pensei sozinho várias vezes e cabe neste contexto: já percebeu como um estudante de medicina talentoso com a caligrafia de repente adquire aquela “letra de médico”? Isto é mais do que apenas uma mudança de caligrafia, é o jaleco trazendo com ele todas as nuances e estereótipos de uma profissão.
Avalie o seu futuro eu: Quer saber como será seu futuro eu em uma profissão dentro de uma empresa específica? Observe os veteranos de lá. Suas rotinas, dentro e fora do ambiente de trabalho, são um espelho do que se esperar. Não se iluda pensando que você será exceção. Entenda probabilidades.
Autoconhecimento > Carreira. Tenha cuidado para não descobrir uma carreira antes de se descobrir. Estamos sempre nos descobrindo e mudando, claro, mas sempre é tempo para ligar o alerta e repensar o contexto. E questionar o Status Quo, claro. Sempre. Aliás, tem uma série de histórias de pessoas que repensaram suas carreiras aqui no Canal da Status Quê no Youtube.
Evite gatilhos para sua pior versão. Os participantes deste experimento relataram posteriormente que viveram versões distorcidas de si mesmos, algo revelador e assustador segundo eles. Portanto, fique atento para não perder a consciência e saiba perceber o que desperta o pior em você.
No experimento, vi três tipos principais de indivíduos:
(i) aqueles que, quando estão em posição de poder, abusam da autoridade e perdem a noção do outro.
(ii) há os que não sabem lidar com alguns contextos e são rebeldes, questionam o Status Quo. São os encrenqueiros quando não controlam suas emoções.
(iii) Tem os que aceitam a realidade e “está tudo bem, é assim mesmo, faz parte sofrer e estar ruim desta maneira”. São pouco questionadores e o mínimo já está ótimo. Afinal, “sempre foi assim”.
Em resumo:
Convido você a olhar para o espelho e questionar: Quem está olhando de volta? É você ou uma versão de si moldada pelas expectativas dos outros e pelo papel que você desempenha no seu mundo? Cada escolha que fazemos, cada interação que temos, e cada papel que desempenhamos em nossas vidas, nos levam para mais perto ou mais longe de quem realmente somos.
O medo da rejeição e o desejo de pertencer podem, inconscientemente, nos empurrar para caminhos que nos distanciam do nosso verdadeiro eu. Nos tornamos personagens em uma narrativa que, talvez, nem sequer seja nossa. Mas há um poder incrível em questionar, em desafiar o status quo, e em buscar autenticidade em um mundo que muitas vezes valoriza a conformidade.
O mundo está pronto para a verdadeira versão sua? Você está? A jornada de auto-descobrimento é um desafio, mas é a mais valiosa que podemos empreender. A rejeição que tememos pode ser o portal para a aceitação de nós mesmos. Não é apenas sobre encontrar nossa verdadeira essência, mas sobre ter a coragem de viver de acordo com ela.
Escolha desafiar a narrativa, questionar os papéis impostos e, mais importante, descobrir e abraçar quem você é verdadeiramente. Se não agora, quando? Se não você, quem?
A reflexão é a porta de entrada para a mudança. E a mudança começa com uma escolha - sua escolha.
Então, qual será?
Marcel | Status Quê?
Só Sei Que Nada Sei
(curadoria de links para você saber cada vez menos)
(filme, 1h36min, inglês ou português legendado)
"Stutz" é um documentário da Netflix dirigido por Jonah Hill, que explora a vida e a metodologia terapêutica do Dr. Phil Stutz. O filme apresenta exercícios visuais e experienciais, chamados de "The Tools", para promover o crescimento dos pacientes, além de compartilhar a jornada terapêutica de Hill com Stutz, incentivando os espectadores a explorarem e aplicarem técnicas da terapia.
The Stanford Prison Experiment - Official Trailer (IFC Films)
(trailer do filme, 2min44s, inglês ou português legendado)
Trailer do filme que retrata o famoso experimento social conduzido por Philip Zimbardo em 1971, explorando a dinâmica de poder entre guardas e prisioneiros em uma prisão simulada (tema desta newsletter de hoje). O longa destaca como os papéis sociais e a autoridade podem influenciar drasticamente o comportamento humano, levando a situações de abuso e desumanização.
What makes a good life? Lessons from the longest study on happiness - Robert Waldinger
(vídeo, 12min36s, inglês ou português legendado)
O psiquiatra Robert Waldinger, ao dirigir um estudo de 75 anos sobre desenvolvimento adulto em Harvard, desmistifica que a felicidade e saúde na vida não são garantidas por fama e dinheiro. Ele compartilha três lições cruciais do estudo sobre como construir uma vida longa e satisfatória, oferecendo sabedoria prática e atemporal.
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